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Sobre o uso de antidepressivos por mulheres grávidas

  • Dr.Ademar Moreira Pires
  • 9 de ago. de 2017
  • 8 min de leitura

A depressão chega a acometer cerca de 10% das mulheres grávidas e frequentemente é abordada com o uso de medicamentos. Existe a opção do tratamento apenas com psicoterapia, entretanto, nos casos graves, geralmente não é prudente a condução sem o uso de antidepressivos. Quais são os riscos do uso dessas substâncias durante a gestação? E os riscos de não usá-las? A autonomia de cada paciente na escolha da forma de abordagem do problema é um ponto essencial nessas situações, mas é necessário ter acesso às melhores informações disponíveis para a tomada de decisão em conjunto com o médico psiquiatra. É importante saber que ainda hoje os estudos relativos a esse tema são pequenos e de qualidade considerada baixa na maioria das vezes, então ainda há muitas dúvidas a respeito dos riscos reais para a mulher e o filho. Apesar disso, essas são as melhores evidências científicas disponíveis para esclarecimento do processo de escolha.

-Riscos do não tratamento


A depressão não tratada implica em diversos riscos que devem ser considerados na decisão de usar ou não antidepressivos durante a gravidez. Os perigos mais óbvios são para a própria mulher, já que pode haver piora do quadro psiquiátrico com chances aumentadas de comportamentos suicidas e surgimento de sintomas psicóticos, por exemplo.

Já as repercussões sobre os bebês podem ocorrer por vários mecanismos, sendo que a ação sobre o feto do hormônio cortisol produzido pela gestante deprimida é considerado um dos fatores mais importantes. Além disso, existem outras possibilidades nesse processo, como os fatores genéticos compartilhados pela dupla mãe-filho, comprometimento do sistema imunológico materno, baixa adesão aos cuidados pré-natais por mulheres deprimidas (reposição de vitaminas, realização de exames etc.), alimentação inadequada da grávida deprimida e o risco aumentado que essas mulheres têm de utilizar álcool e tabaco.


Existem algumas pesquisas realizadas com gestantes que indicaram que a depressão traz riscos aumentados de aborto espontâneo, sangramento e parto prematuro, independentemente de essas mulheres terem usados antidepressivos ou não. Esses estudos têm qualidade baixa a moderada, e o aumento da frequência dos desfechos negativos foi pequeno, porém essas possibilidades devem ser consideradas.

Riscos durante a gravidez da depressão gestacional:

-Não é claro se há aumento do risco de mal formações nesse contexto

-Parece haver pequeno aumento do risco de aborto espontâneo

-A maior parte dos estudos encontrou aumento pequeno do risco de hemorragia durante a gravidez e pós-parto

-Vários estudos mostraram aumento pequeno do risco de prematuridade (parto antes da 37ª semana de gestação).

-Não se sabe se há aumento do risco de morte fetal precoce (resultados inconsistentes dos estudos)

-A maior parte dos estudos não mostrou risco aumentado de transtornos hipertensivos durante a gravidez (p.ex.: pré-eclâmpsia), diabetes gestacional ou crescimento intrauterino restrito

A depressão durante a gravidez também aumenta a chance de depressão pós-parto, que por si só já apresenta outras repercussões negativas sobre a saúde do bebê. A relação da mãe com o filho no início da vida é influenciada por esse transtorno, e esse processo pode aumentar as chances de alterações de cognitivas e comportamentais na infância.

Riscos após o parto da depressão gestacional

-Pode haver aumento leve a moderado da chance de transtorno do desenvolvimento no início da infância

-Pode haver risco aumentado de síndrome da morte súbita do lactente

-Pode haver aumento das chances de alterações da saúde física da criança, como asma, diabetes, diarreia, cólicas e da ocorrência de acidentes, como envenenamento e queimaduras

-Pode haver alteração no crescimento da criança, como redução do peso ajustado pela altura e aumento da adiposidade abdominal

-Pode haver aumento das chances de prejuízos neurocomportamentais no primeiro mês de vida, como pouca responsividade, piora do tônus muscular, piora do sono e choro excessivo

-Pode haver prejuízo cognitivo da criança, principalmente atraso na aquisição da linguagem, mas não atualmente há dados que levem a suspeita de prejuízo de inteligência

-Pode haver risco aumentado de comportamentos agressivos, ansiedade, depressão e hiperatividade na criança, mas a maior parte desse impacto também é pequeno

-Não é claro se existe aumento do risco de autismo

Os poucos estudos disponíveis indicam que o tratamento da depressão reduz alguns desses riscos, mas são necessárias mais pesquisas para esclarecer essa questão. Além disso, é importante lembrar que os danos citados foram identificados na depressão e há muito poucas informações sobre as repercussões negativas de outros transtornos psiquiátricos em grávidas (como os transtornos de ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo, transtornos de ajustamento). Mesmo assim, há de se considerar que esses quadros também possam influenciar nas chances de problemas semelhantes obstétricos ou pediátricos.


-Risco do uso de antidepressivos durante a gravidez


Antes de citar as possíveis alterações desencadeadas por antidepressivos durante a gravidez, é importante lembrar que problemas obstétricos ou patologias fetais não são raros mesmo em mulheres previamente saudáveis que não usam nenhum medicamento. Estima-se taxa de malformações congênitas em pelo menos 2 a 5% da população geral, pré-eclâmpsia em cerca de 4%, além de incidência entre 8 a 20% de aborto espontâneo nas gestações reconhecidas até a 20a semana. Por esse motivo, é praticamente impossível afirmar que a ocorrência desses desfechos negativos em um caso específico teve como causa o uso de algum antidepressivo. Como são problemas multifatoriais, deve-se sempre pensar em probabilidades, que podem ser um pouco aumentadas devido ao uso desses fármacos.

Os efeitos das substâncias sobre o feto variam de acordo com o tempo de gravidez. A vulnerabilidade a alterações anatômicas é maior no primeiro trimestre, quando estão sendo formados os órgãos. Em contrapartida, efeitos tóxicos das medicações sobre o recém-nascido resultam da exposição durante o terceiro trimestre.

Outro fator a ser considerado é que, apesar de haver aumento na frequência de anomalias congênitas com alguns medicamentos, o risco absoluto ainda pode ser baixo. Para citar um exemplo, o risco estimado na população geral de anomalia de Ebstein (problema na formação da parte direita do coração) é estimado em 1 para cada 20.000 nascidos vivos. O uso de lítio durante o primeiro trimestre da gestação pode aumentar essa taxa em 20 vezes, ou seja, um caso para cada 1.000 nascidos vivos, o que ainda pode ser considerado um risco baixo.

Os riscos do uso de antidepressivos na gestação foram mais amplamente estudados com uma classe de medicações: os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS). Mostraram risco pequeno à mulher e ao feto, e por isso são os mais utilizados nesse contexto. Mas também há outras opções que podem ser mais adequadas a casos individuais, como mulheres que já tiveram uma boa resposta a outro antidepressivo anteriormente. Outro grupo de medicações bastante utilizado são os inibidores seletivos da recaptação de serotonina e noradrenalina (ISRN – venlafaxina e duloxetina), que, apesar de menos estudados, não parecem apresentar riscos maiores que o primeiro grupo citado.

As alterações atribuíveis aos antidepressivos podem ocorrer durante a gestação, logo após o parto, ou ainda meses após o parto, com manifestações sobre a primeira infância da criança exposta intraútero.

Consequências possíveis durante a gravidez do uso de antidepressivos

-aborto espontâneo

-malformações congênitas

-crescimento intrauterino restrito e baixo peso ao nascer

-parto prematuro

-doenças hipertensivas da gravidez (pré-eclâmpsia, por exemplo)

Consequências possíveis logo após o parto do uso de antidepressivos

-hemorragia pós-parto

-sintomas de abstinência ou toxicidade neonatal

-hipertensão pulmonar persistente no recém nascido

-sintomas de má adaptação neonatal (grupo de sintomas que tendem a ser leves e melhorar espontaneamente até a segunda semana de pós-parto. Inclui irritabilidade, choro contínuo, insônia ou sonolência excessiva, diarreia, vômitos, tremores, alterações da respiração, glicemia e temperatura)

Consequências possíveis meses após o parto do uso de antidepressivos na gravidez

-Aumento do risco de alterações de comportamento ou desregulação emocional da criança

-Aumento do risco de alteração da inteligência, linguagem e atenção

-Aumento do risco desenvolvimento de transtornos psiquiátricos na criança, como autismo, depressão, transtornos de ansiedade

Na verdade, muitos desses riscos são considerados baixos ou nulos, porém é importante que a mulher que opta pelo uso de antidepressivos durante a gravidez tenha ciência deles. Em muitos casos, ainda não há estudos suficientes que esclareçam a questão das consequências negativas sobre mãe e filho, o que dificulta bastante o processo de escolha. Considerando esses pontos, é tomada uma decisão com base em uma balança que tem, de um lado, os riscos do não tratamento e, de outro, os riscos do uso das medicações. Os próprios médicos psiquiatras têm muitas dúvidas sobre esses fatores, porém as informações disponíveis permitem esclarecer as opções mais seguras em cada caso.


Como os riscos encontrados variam para cada grupo de medicamentos, segue um quadro com os principais achados das pesquisas com antidepressivos em mulheres grávidas.

Riscos de cada grupo de antidepressivos quando utilizados durante a gravidez

Inibidores seletivos da recaptação de serotonina

(sertralina, citalopram, escitalopram, fluoxetina, paroxetina, fluvoxamina)

-A maior parte dos estudos não indica que estejam associados aumento de frequência de anomalias congênitas. Especificamente a paroxetina foi associada a um pequeno aumento no risco de malformações cardíacas, mas isso também é controverso

-Parece que o aumento do risco de aborto espontâneo é pequeno ou nulo

-Múltiplos estudos não indicam que estejam associados a aumento do risco de doenças hipertensivas da gravidez, e em outros o impacto pareceu pequeno

-Pode ocorrer pequeno aumento na incidência de hemorragia pós-parto

-Não é claro se estão associados a baixo peso ao nascer

-Pode ocorrer pequeno aumento da chance de parto prematuro, porém os estudos são inconsistentes

-Múltiplos estudos não indicam que estejam associados a aumento do risco de morte perinatal

-Uso no último trimestre da gestação parece estar associado a aumento pequeno no risco de hipertensão pulmonar persistente no recém-nascido, mas os estudos são controversos (mudança seria de 3 para 4 casos a cada 1000 nascidos vivos com o uso desses antidepressivos)

-Não parecem estar associados a alterações de crescimento na criança após o parto

-Efeitos sobre a inteligência, comportamento e linguagem da criança até 6 anos não são claros, mas parece ser pequeno ou nulo

-Não se sabe se estão associados ao desenvolvimento de transtornos psiquiátricos na criança. Aumento do risco de autismo parece pequeno ou nulo

Inibidores seletivos da recaptação de serotonina e noraderenalina (venlafaxina, desvenlafaxina, duloxetina)

-Venlafaxina e duloxetina não parecem estar associadas a malformações durante a gravidez (poucos estudos)

-Não é claro se venlafaxina ou duloxetina estão associadas a aborto espontâneo devido a resultados conflitantes dos estudos

-Risco de doenças hipertensivas da gravidez (como a pré-eclâmpsia) pode estar aumentado com o uso de venlafaxina ou duloxetina, mas estudos são muito pequenos para se confirmar essa hipótese. Risco de pré-eclampsia pode ser maior com venlafaxina que com os ISRS

-Uso de venlafaxina ou duloxetina no final da gestação pode estar associado a aumento no risco de hemorragia pós-parto

-Venlafaxina pode estar associada a parto prematuro

-Os riscos do uso de desvenlafaxina durante a gestação quase não foram estudados

Bupropiona

-Risco de malformações é considerado baixo, porém alguns estudos descreveram casos de anomalias cardíacas (risco de 2 casos para cada 1000 nascidos vivos)

-Pode estar associada a aumento nas taxas de aborto espontâneo

-Não parece estar associada a doenças hipertensivas da gravidez ou aumento de hemorragia pós-parto

-Um estudo encontrou associação de exposição fetal a bupropiona com risco aumentado de transtorno de deficit de atenção e hiperatividade na criança (4,4% dos expostos x 2,5% dos não expostos), porém pode ter havido distorção na interpretação desses resultados

Mirtazapina

-Existem muito poucos estudos sobre os riscos do uso de mirtazapina durante a gravidez

-Parece apresentar pouco risco de malformações fetais

-Não é claro se aumenta o risco de aborto espontâneo já que os únicos dois estudos têm resultados conflitantes

-Não parece estar associada a aumento do risco de pré-eclâmpsia ou hemorragia pós-parto

-Não é claro se está associada a aumento nas taxas de parto prematuro, porém o maior estudo disponível indica não haver esse risco

-Não parece estar associada a aumento das taxas de baixo peso ao nascer ou de morte perinatal

-Uso no final da gravidez pode estar associado a síndrome de má adaptação neonatal, mas as evidências são fracas

-Os poucos estudos realizados com crianças de até um ano expostas a mirtazapina intraútero não identificaram aumento no risco de alterações neurocomportamentais

Antidepressivos tricíclicos (nortriptilina, amitriptilina, imipramina, clomipramina)

-Risco de malformações congênitas é considerado baixo. Um estudo encontrou pequeno aumento do risco de malformações graves com clomipramina

-Não parecem estar associados aumento do risco de aborto espontâneo

-Podem estar associados a aumento do risco de pré-eclâmpsia e de hemorragia pós-parto

-Não parecem estar associados a aumento do risco de parto prematuro

-Uso no final da gravidez pode estar associado a sintomas de abstinência no recém-nascido (hipoglicemia, alterações respiratórias e neurológicas, icterícia), porém não foram encontrados riscos aumentados de alterações de inteligência, linguagem, desenvolvimento ou sintomas psiquiátricos em crianças até 3 anos de idade

Trazodona

Com base em estudos limitados, não parece haver risco aumentado de malformações fetais ou complicações durante a gravidez com o uso de trazodona.

Bibliografia:

Stewart D, Vigot S. Risks of antidepressants during pregnancy: Selective serotonin reuptake inhibitors (SSRIs) Em: UpToDate, Post TW (Ed), UpToDate, Waltham, MA. (Acessado em 05 de agosto, 2017.)

Stewart D, Vigot S. Risks of antidepressants during pregnancy: Drugs other than selective serotonin reuptake inhibitors Em: UpToDate, Post TW (Ed), UpToDate, Waltham, MA. (Acessado em 05 de agosto, 2017.)

Stewart D, Vigot S. Infants with antenatal exposure to selective serotonin reuptake inhibitors (SSRIs) and serotonin-norepinephrine reuptake inhibitors (SNRIs) Em: UpToDate, Post TW (Ed), UpToDate, Waltham, MA. (Acessado em 05 de agosto, 2017.)

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Psiquiatria geral e psicogeriatria

 

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